Sempre gostei de filmes. Creio que herdei de meu pai o gosto pela sétima arte. E esta vontade de ver filmes é o que me faz assistir uma boa película inúmeras vezes, para aproveitar as nuances, tentar perceber algo que nunca vira, algo novo. Quando assistir “Mad Max: Beyond Thunderdome” (“Mad Max: Além da Cúpula do Trovão”) confesso que não achei grande coisa. Filmado em 1985 e parcialmente dirigido por George Miller, o idealizador da franquia e diretor dos dois filmes anteriores sobre o personagem “Max”, o policial que perdera mulher e filho atropelados por uma gangue de motociclistas sádicos e nômades, este terceiro filme vem dividindo opiniões há 31 anos e, geralmente, é tido como mediano. Contudo, como muitos outros dos da minha geração, aprendi a ver esta obra como cult movie.
Não sou crítico de cinema, nem pretendo ser. Mas, há filmes que valem a pena ser indicados. Ao assistir “Mad Max: Além da Cúpula do Trovão” outras vezes, pude perceber o que, penso eu, não é facilmente visto por quase todos os que se dispuseram a comentar o filme. Como disse, a maioria acha o filme regular a fraco. Mas, como vi em certo site, atualmente não se sabe se este terceiro Mad Max é o pior ou o melhor de toda a trilogia. O primeiro é um clássico, sem dúvida. O segundo é considerado por alguns como o filme que imortalizou o gênero “pós apocalíptico”. O terceiro é um grande divisor de opiniões. O quarto, sem Mel Gibson como o personagem principal, vivido agora pelo ator Tom Hardy, é praticamente uma reinvenção da série, mas com a mesma temática: o difícil e distópico futuro pós hecatombe nuclear que devasta o planeta.
Para quem não conhece o universo “Mad Max”, eis um breve resumo: Max é um policial e motorista numa Austrália “daqui há alguns anos”. Neste futuro recente, o mundo está começando a se desintegrar. Gangues literalmente infestam as estradas, assaltando, estuprando e matando, sempre à procura de gasolina. Max e alguns amigos lidam, no primeiro filme da franquia, com uma gangue sombria de motoqueiros, liderados pelo inesquecível “Toe Cuter”, interpretado pelo ator Hugh Keays-Byrne.
Max, à certa altura, afirma estar ficando “louco”, como os caras que ele persegue, e resolve sair da polícia, após o seu melhor amigo, “Goose”, interpretado pelo ator Steve Bisley, ser violentamente atacado pela gangue de motoqueiros. Os caras perseguem Max e a família, que sai para ter paz e acabam matando sua esposa e filho pequeno. Max volta a vestir novamente a roupa de policial e, com sede de vingança e de posse de um V8 turbinado (um Ford G3, 1973), persegue a gangue de motoqueiros, dizima vários deles, culminando com uma perseguição ao vilão principal, o qual morre em um terrível acidente na estrada.
O segundo “Mad Max” se dá após a hecatombe nuclear que destruiu o planeta. Seres humanos foram reduzidos a praticamente duas classes: predadores e perseguidos, ambos, sobreviventes. Os primeiros caçam, pilham, estupram, escravizam e matam. Os segundos querem apenas paz. Max se vê em meio a uma guerra entre uma feroz gangue e um grupo que se refugiou numa fortaleza no deserto australiano, como um forte do velho Oeste. Lá, eles bombeiam petróleo e o refinam, para produzirem gasolina. Na guerra pelo local, Max ajuda o grupo a escapar e praticamente dizima a gangue, liderada pelo também icônico “Lord Humungus”, interpretado pelo ator Kjell Nilsson.
O terceiro “Mad Max” é o mais diferente, realmente. Max vaga pelo deserto australiano e é roubado pelo “Capitão Jedediah”, interpretado pelo ator Bruce Spence, e seu filho, interpretado pelo ator mirim Adam Cockburn. Seguindo os ladrões, Max se vê em “Bartertown”, cidade liderada por “Titia”, interpretada pela cantora Tina Turner. Lá, ela monta um esquema para que Max mate “Blaster”, um gigante, interpretado pelo ator Paul Larsson, que carrega um homenzinho, intitulado “Master”, o cérebro que coordena a extração de metano por fezes de porco em “Bartertown”. “Master”, interpretado pelo ator Angelo Rossito, disputa com “Titia” o poder em “Bartertown”.
Max aceita o plano mas, na “Cúpula do Trovão”, um lugar criado para se resolver disputas entre dois homens, onde “dois homens entram e um homem sai”, o herói descobre que “Blaster” é um deficiente mental e recusa-se a mata-lo. “Blaster” é morto pelos capangas de “Titia”, que passa a comandar a cidade, impondo-se sobre “Master”. Max é banido e encontra um grupo de crianças, vivendo numa espécie de oásis no deserto. Elas o confundem com um tal de “Capitão Walker”, de um grupo de sobreviventes que havia lá e pensam que o herói as levará para a cidade, num avião velho, no qual o grupo de sobreviventes originais caiu. Max fala-lhes a verdade, mas um grupo foge do oásis, forçando o herói e outras crianças a irem em seu encalço.
Eles voltam a “Bartertown”, libertam um prisioneiro e o “Master” e fogem numa locomotiva, que servia como uma espécie de sustentáculo para o “mundo subterrâneo”, de onde se extraía o metano. É claro que “Titia” e outros motoristas vão ao encalço de Max e dos fugitivos, mas eles conseguem escapar, numa das cenas de perseguição mais impressionantes da história do cinema. No fim, um ato heroico de Max assegura a lenda do homem que pode fazer a diferença e que está eternizada na trilha sonora composta por Tina Turner para o filme, através do single “We Don´t Need Another Hero” (“Não Precisamos de Outro Herói”).
O terceiro “Mad Max” possui a direção de George Ogilvie, pois o “mastermind” George Miller, criador da franquia e diretor dos dois primeiros, triste com a perda do produtor e companheiro comercial, Byron Kennedy, dirigiu apenas as cenas de perseguição. Contudo, é este toque “de fora”, creio eu, que fez a diferença e, embora não tenha agradado a todos, ao meu ver, deixou o filme especial. Com uma fotografia impressionante, “Mad Max: Beyond Thunderdome” é um filme sobre esperança. Do fundo do poço, onde se pensava que não se podia “descer mais”, encontramos a esperança civilizacional encarnada nas próprias crianças que, conforme nos mostra o filme, acreditam numa história que mais parece um conto de fadas.
A condução do filme, inclusive na perseguição final, nos leva a entendermos que os diretores quiseram mesclar realidade e fantasia, através da dura e fria realidade do mundo, com os sonhos e expectativas das crianças, que pensam em um mundo melhor, restaurado e feliz. Não seria fácil, bem sabemos, pois os “adultos”, digamos assim, representam as sombras do velho mundo, do mundo pré-apocalíptico, insistindo em continuar existindo, como antes – e isto está claro na reconstrução de “Bartertown” -, como uma ou mais cidades que tentam existir como as de hoje: com prostituição, trapaças, violência através de entretenimento gratuito e planos escusos sob as sombras, por lutas pelo poder.
As crianças, por sua vez, simbolizam inocência e é esta inocência que Max tenta preservar, se isto significa arriscar tudo, inclusive sua vida. Comprando a disputa das crianças, a quem tenta resgatar, o herói incorre numa viagem que, ao fim, fica claro que é por redenção. Com o sacrifício máximo, quase que em tom messiânico, o herói literalmente dá sua vida para que o melhor do “velho mundo” sobreviva e crie um “novo mundo”, uma terra onde as luzes da velha cidade de Sidney, destruída pela guerra nuclear, voltam a se acender, num monólogo final de uma das mais velhas da tribo das crianças, sobrevivente também de “Bartertown”, no qual ela fala, depois de se nos parecer que passaram-se meses ou anos de sua fuga, que eles acenderam a cidade e contam a história todas as noites, para que todas as gerações saibam sobre eles e sobre o homem que os salvara.
É para ele e os que ainda vagam pelo deserto que as luzes da cidade estão acesas, para lhes guiar o caminho de volta, dando-lhes esperança. A cena final é a de um andarilho, que nós entendemos ser Max, caminhando e, quem sabe, voltando à velha e destruída cidade, agora mais uma vez iluminada com esperança. É um final digno de uma trilogia (hoje, quadrilogia) que revela os temores de todos nós, ante a destruição moral do homens, que, como se diz no prólogo do segundo filme, “construíram uma sociedade frágil”.
O terceiro filme é, além da crítica e reflexão que se nos exige ante toda a perseguição e conflitos existentes, a garantia de uma película com uma fotografia esplêndida, magistral coordenação técnica e boas ou excelentes atuações. Uma mensagem de esperança ecoa todo o tempo, mostrando-nos a crueza de um mundo hostil, é verdade, mas que, quase como um sinal metafísico, se apresenta forte, real, mais verdadeiro e mais valioso que toda a decadência, violência e morte que podem ser produzidas pela humanidade. Enfim, vale muito a pena ser visto!